28/02/11

Prioridades

As duas melhores características que alguém pode ter para se sentir feliz no maior número possível de dias ao longo da sua vida, são o egoísmo e a ignorância.
Não estou a dizer isto de uma forma pejorativa. Quem não o é, ou é em menor dose, discordará disto, até eu, admito, custa-me aceitar uma coisa destas, mas é a mais pura das verdades.
Como se diz, "não se pode explicar a um ignorante que ele é ignorante", e como neste pensamento, há muitos outros semelhantes, como o bíblico, "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus".
Quantas vezes pensamos o felizes que as crianças são, os adolescentes menos um bocadito, e por aí fora... quem se lembra de ver um velhinho a rir?
A sabedoria, na qual está incluída a noção de um mundo para além do nosso umbigo, a preocupação com o próximo, que se aprende sobretudo pelas nossas experiências pois só assim pode ser sentida ou percebida quando nos é alheia, as cicatrizes, os obstáculos vencidos e as desilusões, se por um lado nos fazem crescer, nos fazem sentir melhores, mais completos, também nos roubam a inocência, a causa maior da felicidade.
Para contrariar este tipo de tendência, existem duas alternativas, sendo uma delas cientificamente invíável ou no mínimo insensata, que conssistiria em apagar todas as nossas memórias relativas a acontecimentos que nos fizeram crescer e aprender, normalmente designados por ERROS! Sempre podemos tentar bater com a cabeça na parede e ficar amnésicos, mas teria que ser uma amnésia selectiva, há muita coisa que não interessa mesmo esquecer. Imaginem-se a ter que tirar novamente o curso superior, ou a carta de condução, etc.
Não me parecendo que as paredes tenham culpa, e para não gastar dinheiro em pinturas ou hospitais, a alternativa a reduzir "o saber", é aumentar "o egoísmo".
É mau? claro que é, vai contra os nossos princípios, valores, essência. No entanto pode-se fazer sem colidir com o nosso próprio ego, basta para isso estabelecer prioridades: o que é importante? com quem? com o quê e quando nos devemos de facto preocupar quando outra pessoa se queixa, pede, cobra, exige? Basta distinguir o que é realmente importante do que é acessório, o que é necessidade do que é capricho, o que é dor do que é fita, e garantidamente seremos tão bons como antes, sem que o lugar no avião para o tal sítio a que chamam paraíso, nirvana, éden, etc, deixe de estar garantido. Neste caso, não interessa se o lugar é em primeira ou classe turística, o que interessa é lá chegar, porque o caminho até ao aeroporto dura uma vida, a viagem posterior demorará um piscar de olhos, certamente.

25/02/11

Agora sim vamos bem

Dos meus tempos de universidade, há um momento que não me esquecerei. Estava eu parado a fumar o meu camel enquanto esperava o autocarro, quando reparo que no outro lado da rua, um velho dos seus 70 anos, carregado até mais não com sacos e tralhas e mais tralhas, que coitado, o homem lá ia arrastando aquilo à medida que se aproximava da gare para poder meter tudo na bagageira de algum autocarro, que presumo eu o levaria de volta à sua aldeia. Quando pôs o pé na estrada para atravessar, cambaleou, retorceu-se e caiu com todo o estrondo, junto com a parafernália de coisas que trazia em cima.
Estavam várias pessoas a passar junto, pensei, " alguém lhe vai deitar a mão". Nada, um, dois, três, quatro, passavam, olhavam com aquele ar de, "está com os copos", "está drogado", "não quero saber, está sujo", mas seguiam a sua vida. Depois de perceber que ninguém por perto fazia nada, lá fui eu a correr, quase a ser atropelado, mas lá fui ajudar o homem a  levantar-se, perguntar se estava bem e ajuda-lo a carregar os tarecos e os sacos até ao autocarro.
Isto passou-se numa cidade pequena, em Trás-os-Montes, onde as pessoas se dizem tão afáveis e humanas, porque em Lisboa, ou no Porto já assisti a cenários igualmente escalofriantes.
Será que ninguém pensou sequer que o homem podia não estar bêbado? ou drogado? Estaria eu doido?
Agora entendo que aquilo eram os primeiros sinais do caminho que a maioria está a tomar. Agora percebo que cada vez mais, se confunde a insensibilidade e o egoísmo com força. Agora passa-se por uma situação dessas e diz-se "eu sou imune a essas coisas, é duro, é triste, mas consigo não ligar e seguir a minha vida". Agora um insensível é um tipo forte, porque aguenta a dor alheia e não reage. Agora sim.. vamos mesmo bem. 

Pacote de bolachas

Tenho duas irmãs, duas grandes mulheres, diga-se. Além de nos dar-mos muito bem, somos irmãos, pelo que nem vale a pena dizer mais nada quanto à nossa relação.
Isto não foi sempre assim, as nossas diferenças de idades são pequenas, pouco mais de 1 ano entre cada, o que foi uma vantagem quando crianças, sempre havia coisas para fazer juntos, embora na parte das bonecas eu preferisse ir para o meu quarto com os legos.
A fase negra foi a do "armário", e como as mulheres entram mais cedo, os meus mais de 2 anos de diferença para a caçula deixaram de se notar. Resultado, guerra!
Foram inúmeras as batalhas sem sentido em que no fim todos perdíamos. Uma delas, e que acho particularmente piada, mesmo porque ainda hoje consiga ver coisas semelhantes entre gente que já deveria ser suficientemente madura, era a do pacote de bolachas.
Durante meses, com a gulodice, lá ia à despensa para comer umas bolachitas e deparava-me com 3 ou 4 pacotes, surpresa das surpresas, todos eles tinham apenas uma bolacha e como quando a fome aperta, percebia a estratégia, mas lá ia a bolachita. Depois era um ver se te havias com a minha mãe a ralhar por conseguir-mos aviar as doçuras num pestanejar de olhos, e claro, as espertas das minhas irmãs diziam: "Foi  o Bruno que acabou os pacotes todos!!"... nem vale a pena falar na vontade que tinha de as matar, mas que remédio, lá ouvia e por muito que tentasse explicar era comigo que a minha mãe mais embirrava.
Até que um dia caiu sobre nós a justiça salomónica, acabaram as guerras das bolachas, pura e simplesmente deixaram de fazer parte da despensa, a minha mãe não esteve de modas e levamos os 3 pela mesma medida.
Agora que penso, eu nem estranhei muito, afinal o que tinha que ouvir por causa de uma mísera amostra até compensava a sua falta, já elas, obviamente, devem ter sofrido bem mais com a ansiedade que a falta de açúcar provoca, tamanha era a gula.
Hoje há pessoas que definitivamente não passaram por este tipo de situações ou que não aprenderam ainda, que no fim, por muito que tenham a barriga cheia e por muita fome que tenham feito passar, quem mais perde acaba por ser quem mais comia, quem sempre andou esfomeado não vai notar a diferença e ainda por cima ainda tem a vantagem de não aturar ninguém a moer-lhe o juízo, nem a sentir-se injustiçado.

24/02/11

E ainda me queixo.

Só recentemente tive a feliz ideia de tentar saber quem era o meu avô materno. Faleceu quando eu devia ter apenas alguns meses, nunca o conheci, apenas de fotos e ouvir uma história ou outra da minha mãe.
- Mãe, como era o avô? como era como pessoa?
E então começou a contar-me, o homem, o pai que ele era, trabalhador, esforçado, duro, frio... eram outros tempos, o pão tinha que se desbravar todos os dias da terra, não havia muito tempo para pensar, o esforço físico não deixava muita margem à cabecinha para se perder. Outros tempos...
Depois disto fiquei surpreso, sem perguntar, ouvi uma confissão sobre a minha avó. O homem da vida dela não era o meu avô, se o ciclo natural das coisas, se o amor tivesse levado a sua avante, eu não "era". A paixão dela tinha emigrado para o Brasil, teria ela os seus 18 ou 19 anos, tentou, berrou, gritou, mas os meus bisavôs impediram-a, e acabou por casar com um homem com terras, poucas, mas que davam para sustentar uma família, e 15 anos mais velho. Cumpriu o seu papel, teve 3 filhas e um filho, trabalhou, educou de forma muitas vezes dura, mas viveu toda a vida, e ainda vive possivelmente com a imagem daquele amor de tenra idade que abalou para terras de Vera Cruz.
Quem diria, eu, que sou um romântico, que acredito que o Amor está acima de tudo, que leva sempre a melhor, sobre tudo e todos, devo a minha existência, precisamente ao seu fracasso. E ainda me queixo.

23/02/11

Murphy

"Quando algo dá errado é sempre da pior maneira, no pior momento e de forma a causar o maior dano possível!", sim, esqueci-me quando falei tão mal do dia 16 de Fevereiro, que afinal até podiam acontecer coisas piores, et voilá, dia 20, eis que uma das Leis de Murphy se revelou na minha vida em todo o seu explendor.
Depois de passados estes 3 dias, mais calmo, mais recomposto, e sobretudo menos optimista, porque até podem acontecer coisas piores não vá o diabo tecê-las, vou arrebitando as orelhas, e vou pensando que a sabedoria popular lá me dá motivos para pensar que as coisas vão correr melhor daqui em diante; "Não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe" e espero que de mal já tenha a minha overdose tomada.
Não sou supersticioso, mas desta vez: Lagarto! Lagarto! Lagarto!!!

17/02/11

Sinais dos tempos

As relações não são como antes, faço um flashback e penso se algum dia passei ou levei uma relação com alguém, como as que vejo por aí, e que também já vivi.
Na adolescência quando se gostava de alguém, lá se pedia a cachopa em namoro, e ela dizia sim ou não, mesmo conhecendo-nos mal, mas dizia, e se fosse uma coleguinha, ficava-se ressabiado, deixava-se de falar com ela uns tempos e a coisa voltava ao normal, ou então nem se dava importância e saltava-se para a etapa seguinte.
Na universidade começavam a aparecer as situações mais complexas, one night stands, paixões idiotas, relações que se arrastavam anos, sem que uma das partes nunca deixasse de mostrar claramente que aquilo era "apenas sexo", mas para todos os efeitos, tudo era claro e obejctivo, ainda. Amigas eram apenas amigas, e quando havia envolvimento emocional ficava tudo rapidamente esclarecido, ou então avançava-se para a relação a sério.
Com o trabalho aparecem as prioridades, a vida profissional, subentenda-se, e aí embora o espírito do amor se mantenha, a coisa complica-se sobremaneira, um quer ir para Londres, outro para Pequim, um quer entrar no quadro, o outro quer abrir o próprio negócio, tudo legítimo, sem dúvida, mas pela mesma ordem de ideias de sempre, não há cá tangas, tenta-se, arrisca-se, não dá porque fui despedido, não dá porque quero ganhar mais, não dá porque quero comprar um carro, sei lá... mas aquele "é ou não é", não deixa tempo a dúvidas.
O problema vem depois, quando deixamos de viver nas nuvens e sabemos que não vamos viver eternamente, quando deixamos de nos preocupar com o desemprego ou com as despesas. Aí sobra tempo para a estupidez, ou antes, a estupidificação, passamos a aceitar relações porque sim, e como não temos mais nada com que realmente ocupar a cabeça, então andamos sempre atrás da próxima emoção, agarramos a primeira que aparece e esticamos, vivemos, esgotamos, vamos ao limite do "segundo não desperdiçado" a pensar nos "porquês", nos "ses", e por isso acomodamo-nos. Seja num casamento, num namoro, numa amizade colorida, deixamo-nos estar, porque isto de andar a catar dá trabalho, enfrentar vazios não é como antes. Temos que trabalhar, a seita está maioritariamente casada e com filhos, os restantes estão dispersos, ou envolvidos nas tais relaçãoes que nem eles sabem o que são, ou então estão no Dubai, ou desempregados e nem de casa saem.
Esta libertação, esta treta do "agora quem não está bem muda-se", que antes era um tabu social, também tem riscos, mas se por um lado arriscar é viver, por outro lado assusta.
O que vai valendo é saber que no fim, pelo menos nos últimos segundos estaremos sós, e aí teremos que responder perante Deus, ou perante Nós, à pergunta: Tiveste uma vida boa?

16 de Fevereiro, nunca mais...

Há dias assim, em que a nossa vida muda radicalmente. Ontem a minha foi um verdadeiro dois em um, foi tão bom, que além dos pulsos, podia cortar os tornozelos também, um verdadeiro duplo suicídio.
Estranho mesmo, foi o ter reagido de forma tão calma e sofrer apenas de acessos esporádicos de tristeza, nada do martírio que estava à espera. Acho que a única justificação para esta reacção, ou falta dela, reside na experiência, no calo, na idade. Engraçado como à medida que se avança, percebemos que realmente somos pessoas mais fortes, mais capazes e sobretudo mais resistentes. Caímos, levantamo-nos e seguimos, guardamos, pensamos e vamos em frente, porque cada vez temos menos medo de lutar. Como diria Pessoa, isto cansa, mas nada como ser pragmáticos e pensar que de facto, não nos mexendo, a única coisa que temos garantida é o morrer lentamente.
Só espero que este relambório todo, não caia por terra, e me depare daqui a momentos com o final de uma reacção do tipo "stress pós-traumático", em vez da racionalidade e maturidade com que penso estar a enfrentar as coisas.

16/02/11

Auxiliares de memória

Já perdi a conta, 4, 5, 6... não sei quantos blogs já criei, para depois apagar. Desta vez prometo a mim mesmo, embora não goste de promessas, que me vou esforçar para manter este sempre a respirar.
Nunca guardei as minhas criações, nunca me apeguei a fotografias, não gosto de as ver, gosto de pensar que o arquivo se guarda dentro de nós, mas é verdade, um dia podemos perder a memória, ou esquecer coisas que nos possam ajudar mais tarde a superar obstáculos, maus momentos, e por isso talvez valha a pena deixar as recordações aflorar.
Esta ideia romântica de não guardar fotos, palavras, músicas, vem dos meus tempos de adolescente, no dia que descobri que os índios americanos não gostavam de fotografias. Vi-o num western, em que um jornalista tentava fotografar um grupo de Sioux, e estes se negaram, explicando depois que as imagens capturariam as suas almas. Fez todo o sentido na altura, espíritos livres não podem ser guardados, não podem sentir-se guardados num papel.