12/02/12

Plantas

Às vezes esquecemos quem somos, o que queremos para nós, para a nossa vida, e deixamos que uma espécie de receio disfarçado de dormência tome conte de nós, como um caracol que leva umas pancadinhas nos cornos e se vai retraindo até se enfiar por completo na carapaça. É normal, o percurso lembra-nos muitas vezes as pancadas que levamos, as feridas que custaram tanto a sarar, os avisos que tivemos e os que não tivemos e só vimos depois. É preciso aprender com os erros passados, identifica-los, corrigi-los.
Julgo que isto terá mais a ver com a personalidade de cada um, a forma como supera as adversidades e avança, a forma como encara as novas situações e tenta não repetir comportamentos passados. É fácil dizê-lo, é difícil fazê-lo, é!
Quantas vezes chegamos ao fim de um percurso e pensamos: "eu sabia, isto ia acabar assim mais dia menos dia!"?
Pior. Quantas vezes começamos a pensa-lo antes sequer de ter algum indício que acontecesse? Acabamos sempre por encontrar aquilo que procuramos, e sem querer, pensamos que estamos a procurar o oposto, como que a enganar-nos a nós próprios.
Eu quero ser feliz, digo eu, e diz toda a gente, mas será que merecemos isso? Será que lutamos por essa felicidade sem medos, sem temores
Dizem os orientais que só se alcançam grandes coisas passando por grandes sofrimentos, acredito nisso, a felicidade não é qualquer coisa que cai do céu e fica perene e imutável na nossa vida. Não! Não é como a história do amor ser uma plantinha que é preciso regar todos os dias. Na felicidade pessoal de cada um não cabe apenas uma planta, cabem muitas, as árvores, robustas como os nossos pais, que aguentam sólidas os anos e estão sempre lá para nos proteger com a sua sombra, que de pouco alimento precisam, mas que no entanto precisam da luz dos nossos afectos para se manterem firmes, os nossos amigos, como os arbustos que crescem em qualquer lado e que temos apenas que fixar para que não os leve o vento, dando-lhes também do nosso sol, e finalmente, nós, como as heras, crescendo por onde podemos, dispersando-nos se assim tentar-mos, descobrindo novos sítios onde chegar, enfim, um mundo de verde que cabe a cada um expandir, uns menos ambiciosos que se contentam com chegar ao peitoril de uma janela, outros ao beiral do telhado.
Eu quero envolver a casa de mim, mas sei que não o vou conseguir com a ajuda de uma flor, preciso de outra hera como eu, forte, corajosa, inteligente (modéstia à parte), tem de saber que por vezes entrelaçando os ramos se podem dar nós, se podem impedir avanços, se pode deixar uma casa por cobrir. Assumo o meu lado de lenhador e que por vezes com a pressa de chegar aplico o machado ao nó e recomeço de novo, mas o mais provável é que enquanto não tiver paciência e com calma desapertar esses nós, o raio da casa nunca mais fique forrada do verde dos meus olhos, e dos teus também minha querida.

04/05/11

Projectos

Tenho por hábito, depois de almoçar, tirar um café cheio, e junto com uma cigarrilha, desfrutar destes dois vícios em uníssono à varanda do meu apartamento. A paisagem não é grande coisa, um prédio enorme e horrível em frente, em baixo um polidesportivo, o resto é alcatrão e o cimento dos passeios.
Mesmo debaixo da varanda do meu 3.º andar, no outro lado da estrada, e parado no passeio, estava um velhinho com uma bengala extensível vermelha e um cãozito. Meteu a mão ao bolso, tirou de lá um pedaço de papel e atirou-o para a sarjeta. Como o papel ficou entre as frestas da grelha, com a bengala ia ajeitando-o de forma a que caísse, demorou nisto um minuto... dei comigo a pensar na velhice, e que ao contrário do que sinto agora, afinal se calhar mais tarde, as coisas fazem-se menos apressadamente e brincamos ou passamos o tempo com coisas deste género. O engraçado, é que depois do 1.º pedaço de lixo, o velhote meteu novamente a mão ao bolso, tirou outro pedaço de papel e repetiu o mesmo ritual, para depois tirar outro, outro, e outro.. contei quase 10! Uns caíam entre as barras da grelha, outros ficavam presos e lá ia ele com a bengala empurrando-os para o abismo.
Pensei melhor e afinal é assustador! Será que é melhor passar o tempo assim? ou em alternativa estar sentado num cadeirão de um lar a ver TV? ou até na cadeira de balanço num alpendre de uma quinta singela comprada com as poupanças de uma vida de trabalho?
Não! A mim não me apanham nessa, eu já tenho o meu projecto. Reformo-me e se tiver o mínimo de saúde ainda disponível para me mexer razoavelmente, vendo tudo, compro um veleiro, e passo os restos dos meus dias a navegar por esses mares, relativamente perto da costa, nada de viagens transatlânticas, e de marina em marina ou de porto em porto, lá irei atracando para descansar e visitar terra. Mas também admito que as coisas não corram bem assim, por enquanto, e até ver, sempre me parece mais interessante que andar a atirar pedaços de papel para um buraco.

03/04/11

Habilitações

Julgar as pessoas pelas aparências sempre foi um erro comum de qualquer mortal. Coisas como, "a primeira impressão nunca engana, ou é a que fica" é uma treta pegada. Desculpem lá, mas isso é de quem tem duas palas ou horizontes bem limitados.
Mas mau mesmo, é o que isso provoca, criam-se pressupostos errados, pensa-se pelos outros, e depois somos apanhados na curva, surpreendidos. Às vezes até é agradável, mas a maior parte das vezes, serve mesmo é para ser-mos olhados como idiotas ou limitados.
Quantas pessoas já o fizeram comigo, pensavam que era outro tipo de pessoa, que tinha outras intenções, que era um otário, e depois mudavam a postura, agradados. Too late, já foste...
Nunca subestimo ninguém, nunca me agarro a impressões ou intuições, porque o mais provável é errar. Nisso aplico sempre o só sei que nada sei, e a partir daí constrói-se a realidade, não se perde tempo a especular, para quê?
Isto lembra-me um episódio que tive com um agente da autoridade, um PSP. Certa noite de copos numa discoteca, um dos meus amigos foi expulso por mau comportamento, mas revoltado foi apresentar queixa à esquadra, eu os outros dois que estavam com ele lá o acompanhamos. Encontramos 3 agentes logo à entrada e lá começou ele a exigir que o acompanhassem para o meterem de novo na disconight, a discussão foi parar a questões legais, e aí a porca torceu o rabo, um dos polícias virou-se para ele com aquele ar de superioridade que a farda lhe incutia e questionou-o sobre as leis aplicáveis ao incidente, perguntou-lhe qual o curso que frequentava, ao que ele respondeu cabisbaixo: Desporto! O homem lá continuou com o seguinte: e você? Gestão! respondeu um, e o outro quando lhe tocou a vez: Antropologia!
Estava quase a  arrumar-nos, até que chegou a minha vez, e você em que curso anda? "Direito, 5.º ano da universidade de Coimbra, e pelo artigo XPTO do decreto lei 12641/52634 de mil novecentos e carqueja, o senhor tem que acompanhar o meu amigo até à discoteca  e metê-lo lá dentro ou aplicar uma multa à casa"... colou, esboçamos todos um sorriso, e quando o agente contrariado se estava a preparar para nos acompanhar, lá lhe dissemos que era tarde e que também já não valia a pena, viramos costas e uns passos à frente desatamos a rir.

27/03/11

Conceitos

Tenho-me deparado ultimamente com pessoas que fazem coisas que nunca fiz na minha vida, que é tentarem descrever, racionalizar, destrinçar, teorizar sobre os sentimentos humanos. Eu sempre me limitei a vivê-los sem lhes dar um nome ou por um carimbo. Sente-se e pronto, como a vida, vive-se, não se experimenta, não se mede não se prevê.
Mas de tudo, o mais estranho mesmo é as pessoas misturarem duas coisas muito diferentes, e pior, negarem uma em prol da outra ou vice-versa quando não conseguem distingui-las. Por isso, e como gesto altruísta, deixo um texto que traduzi do inglês há uns tempos atrás, e do qual não me lembro da fonte, mas que partilho para bem da humanidade, ou melhor, dos confusos.

"Amizade Vs Amor

Amizade é um passeio pelo parque no meio da multidão, com alguém em quem confias.
Amor é quando sentes como se fossem apenas as duas pessoas a passear no parque.

Amizade é quando te olham nos olhos e sentes que se preocupam contigo.
Amor é quando olham nos teus olhos e te confortam o coração.

Amizade é sentir-se perto mesmo quando se está longe. 
Amor é quando estão afastados, e ainda sentes a outra mão no teu coração.

Amizade é quando esperas que a vida lhe traga o melhor. 
Amor é quando tu lhe trazes o melhor.

Amizade preenche-te a mente.
Amor preenche-te o coração.

Amizade é saber que vais tentar sempre estar lá quando precisarem de ti.
Amor é quando fazes e abdicas de tudo para estar ao seu lado.

Amizade é um sorriso que te aquece no inverno. 
Amor é uma carícia que te aquece e envia esse calor até ao teu coração.

Amor é um sorriso bonito a que nada se compara:
Uma risada ternurenta, que te abre o coração, 
Um simples toque que afasta todos os teus medos e receios, 
Um aroma que te recorda a tranquilidade de um céu azul. 
Uma voz que te lembra a inocência da juventude.

Amizade é compreensão.
Amor é carinho."

24/03/11

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Saudades de alguém ausente
devem ser tristes,por certo
mas são mais tristes se a gente
as tem de alguém que está perto...


(não é minha, mas é muiiiiiiiiito boa!)

23/03/11

Cars

Supondo que passamos anos a guiar um carro, de que gostamos mesmo muito, que nos dá um gozo especial pela condução, pela velocidade, pelo aspecto. Supondo que esse carro tem alguns defeitos, como a falta de ar condionado, o rádio falha, a mala é pequena, os vidros elétricos não funcionam direito a suspensão é um bocado dura.
Com os anos, os defeitos agravam-se e as qualidades diminuem, o motor não tem a mesma pujança, o volante não tem a firmeza de antes, o visual fica ultrapassado.
A relação entre o gozo e a desilusão altera-se. Começamos a ver apenas os defeitos, porque o automóvel não se regenera por si, porque achamos que não vale a pena investir nele, o custo é demasiado alto para as melhorias que se conseguem. E pior, o modelo não será propriamente um "clássico" daqui a uns anos.
Solução, despacha-se o veículo, só um sentimentalista mantém o espaço ocupado na garagem. Que satisfação se pode sentir continuando a ter um automóvel no espólio e do qual só podemos ter o que era mau? Livramo-nos dele, e guardamos a boa imagem com que ficamos das qualidades que o tornaram nessa altura o nosso carro de sonho, porque era nosso.
Eu quero um Mustang de 68, um Jaguar Type E de 75, uma 4L, um 2CV ou então pode ser um SLK recente, um 911, um Cincueccento, um qualquer automóvel intemporal, estou cansado de andar a trocar, farto de veículos de série, de restylings, de versões 1, 2, 3... do mesmo modelo.

18/03/11

Ditados populares

Realmente, ele há episódios que nos ficam na memória durante anos sem que nos pareça haver qualquer lógica para isso.
Das várias semanas académicas que passei nos tempos de estudante, há um dia de que não me esqueço particularmente, aliás, uma hora ou duas dessa noite. O lírico é que durante esse tempo estava de tal modo ébrio que o mais estranho mesmo é recordar-me tão bem passados mais de 10 anos.
Tinha acabado a minha resistência, estava tão mal que decidi sair do recinto da festa antes que caisse redondo, não tinha carro, não tinha boleia, e como a cidade ficava longe esperei pelo autocarro que fazia a viagem de volta. Lembro-me de me sentar no contra-lancil do passeio e passados segundos já estar deitado no canteiro. O autocarro chegou e lá entrei, fiquei logo parado a seguir aos degraus, encostei-me ao banco rebatido do co-piloto, e via passar mesmo à minha frente os restantes passageiros. De repente, todo o alcool que tinha no corpo fez das suas, abri os braços, interrompi o fluxo de gente, e irrompi num noutro tipo de fluxo directamente para o chão, vomitei, lembro-me de ouvir o motorista a protestar pela habilidade, depois sentou-se, eu lá me recompuz, entraram os restantes festivaleiros, baixei o assento, sentei-me e o motorista lá arrancou.
Durante a viagem meti conversa com o homem, falava de política e ele lá se embrenhava na discussão esquecendo-se da encomenda que viajava mesmo ao seu lado e à frente dos meus pés. Passados alguns minutos, num relance de lucidez, disse: "você já viu o servicinho que fez aí?", ao que eu retorqui com uma espécie de sabedoria popular: "oh amigo, o que queria? quem se deita com crianças, acorda borrado!". O homem não disse uma única palavra depois disto, acabou-se o paleio, eu também não disse mais nada, despedi-me com um bom dia quando me deixou na paragem e lá fui dormir.
Pergunto-me a mim mesmo o porquê de me recordar desta triste história, mas a vida tem destas coisas fantásticas, tudo acaba por fazer sentido mais tarde, e agora percebo perfeitamente o porquê do silêncio dele, para quê explicar, para quê perceber? Limpa-se a merda, e continua-se a viagem.

04/03/11

Lições

Todos temos pessoas importantes que fizeram ou ainda fazem parte do nosso mundo. Umas vão, outras voltam, outras ainda cá estão. Cada uma dessas pessoas influencia de forma e intensidade diferente o nosso pequeno cosmos, umas com marcas indeléveis, algumas mais profundamente.
Duas dessas personagens que se cruzaram no meu caminho provocaram uma mudança radical em mim, obrigaram-me a olhar para mim de maneira diferente, a deitar por terra conceitos e postulados de muitos anos, e rever o modo como lidava com algumas situações e com os outros.
A primeira, atravessou-se literalmente à minha frente, e numa atitude passíva e contemplativa, deixou-me errar, errar e errar, até que finalmente não deixou mais.
Aprendi. Nunca deixes de arriscar, nunca tenhas medo de uma resposta, nunca tenhas medo de um "Não". Mesmo que por um instinto de defesa inconsciente faças tudo para o ouvir, arrisca! O pior que te pode acontecer é acabares com essa dúvida que atormenta, e depois, ainda que a resposta seja a que tanto procuraste pelo medo de a encontrar, sofre-se o que já se sofria por antecipação, e afinal percebes que não era assim tão doloroso como pensavas.
A segunda, procurou-me, aproximou-se, e eu deixei, topei-a e dexei-a entrar, dia após dia, semana após semana, chegou onde queria. Depois deparou-se com um calvário, um egoísta, um puto que se pensava homem e que ela colocou num pedestal agravando mais ainda a minha imaturidade. Mais uma vez, errei, errei, e voltei a errar. Errei tanto que só a extenuei, a exauri, no dia que a crueldade foi demasiada. Recompôs-se, foi grande, continuou a ser, e eu na minha estupidez, quando me confrontei com a realidade, quando percebi que ela já não estava lá, voltei a reagir com a falta de juízo caracterítica de quem não "vê".
Aprendi. Tudo o que fazemos, volta para nós, what goes around comes around, não tenho dúvidas, eu já aprendi, todos aprendemos um dia.

03/03/11

Perder tempo

Nada é tão mau nem tão bom como pensamos. Sempre que pensamos numa situação  ou num acontecimento recente, temos sempre uma visão distorcida e fazemos uma avaliação tendenciosa. Não vale a pena refutarem, não vale a pena protestarem porque acham ser muito justos, muito maduros, racionais, isentos, frios, etc. Aceitem isso como verdade, porque se há coisa que acontece a todos, e isso ninguém pode negar, é que mais tarde, olhamos para tudo de forma diferente, a distância do tempo mostra-nos isso.
O que hoje nos possa parecer hediondo, amanhã será menos, o que hoje é fabuloso amanhã será menos. A intensidade com que vivemos o que sentimos diminui com a sua ausência, ou vão dizer-me que agora olham para o vosso carro e sentem a emoção que sentiram no primeiro dia? Nem ligam, nem se lembram sequer desse dia, possivelmente lembram-se agora que falei nele. O mesmo se passa para praticamente tudo. O dia que entraram na universidade, o dia que saíram de lá, o primeiro emprego, o primeiro desemprego, o primeiro beijo, a primeira desilusão amorosa...
Quantas vezes não damos o espaço a esse tempo para nos ajudar a julgar melhor? a avaliar melhor? Quantas vezes nos desgatamos e aos outros, perdemos tempo, porque não avaliamos de forma correcta nem deixamos que o façam?
Um exemplo clássico são os "Tribunais das Relações", não confundir com o famoso Tribunal da Relação.
As pessoas têm uma tendência fantástica em passar por advogados, juízes ou procuradores. Não sei se será sintoma de tanta série televisiva que se via há uns anos. Quando as coisas não correm bem, constituem um tribunal em que só estão presentes o Tu e o Eu, e no qual é julgado o Nós. Coitado, um réu que nem sequer tem voz, um réu que está amordaçado e que já é culpado à partida, pois a sua existência deve-se apenas à ligação entre as duas pessoas, que se esvai quando é levado à barra desta justiça, e acaba com o final da relação.
Não há necessidade do lavar de roupa suja, da atribuição das culpas, da responsabilidade dos erros, a discussão idiota do, "eu tenho mais razão do que tu". Os nossos juízes somos nós próprios, a consciência é só nossa, de que raio adianta estar a discutir com outra pessoa sobre isso?
Normalmente estes tribunais só servem para uma coisa. Adiar a nossa própria reflexão sobre o que se passou, desgastar, cansar, magoar, ser magoado. Não vale a pena levar às redes da lei, um réu que já está condenado, não vale a pena entupir as nossas cabeças, não vale a pena pagar as custas. Sobretudo, não vale a pena estragar as coisas boas para ganhar uma causa destas. Devemos sempre sair no melhor da festa.
Como dizia o meu pai desplicentemente, quando não cedia prioridade num cruzamento a outro condutor que buzinava enfurecido... "fica lá com a razão" e continuava indiferente.


02/03/11

Filmes

"I see You!"
Desde que vi o Avatar nunca mais me esqueci desta. Foi como se de repente a noção da existência do universo se tivesse resumido numa frase, uma espécie de E=mC2, mas num pensamento contínuo e linear.
Se tivesse visto o filme noutra fase da vida, teria interpretado isto de uma forma bem diferente. Se fosse uma criança pensaria... "claro que vês, ele está mesmo à tua frente, daaaaaaaa", se fosse adolescente diria... "só o vê a ele, ele é o mundo, é tudo...".  Agora e desde que me sinto gente graúda a lógica é outra.
Normalmente com a idade perdemos a visão, eu comecei cedo, diga-se, com 7 anos usei os meus primeiros óculos e a partir daí foi sempre a piorar, com jeito ainda acabo de bengala a tactear passeios, mas por outro lado desenvolvi uma forma de olhar que desconhecia, uma em que não preciso dos olhos, só. Preciso de mais.
Preciso de todos os sentidos  para poder "ver" desta forma, é necessário, mas mesmo assim não é suficiente. Para isso é preciso sair de dentro de nós, não basta ouvir, ver, tocar, é preciso sentir, é preciso entrar no mundo que temos à frente, percebê-lo, compreendê-lo e mais uma vez, senti-lo.
Isto não serve apenas para alguém que consideramos a nossa alma gémea, ou meia-laranja, isto serve para toda a gente, para os amigos, para os familiares, para um estranho.
No dia que descobrimos esta espécie de sexto sentido, e não estou a falar daquele Graal que atribuem às mulheres e que os homens entendem da mesma forma que a procura de um ponto G, estou a falar numa caracaterística sensorial que todos possuímos, e que apenas é diferente de indivíduo para indivduo no seu grau de acuidade.
Aumenta com a experiência, com a maturidade, e começa a descobrir-se no dia que decidimos questionar-nos a nós próprios, e paramos de questionar apenas os outros. Começa no dia que percebemos que há um mundo enorme para além do nosso, no dia que conseguimos ver para lá do embrulho.
A vida é feita de momentos, mas deve ser vista e entendida como um filme, todos esses fotogramas estão associados e seguem uma sequência, é preciso afastar-nos para os ver todos, senão passamos o tempo a saltar para o seguinte e morremos ignorantes.

01/03/11

Saldos

Já ouvi muitas teorias, li muitas citações e teoremas sobre o assunto, mas só recentemente me puseram a pensar seriamente sobre uma espécie de verdade quando analisamos a forma como nos relacionamos com outra pessoa, com o trabalho, com os amigos, com o lazer.
A isto pode chamar-se a regra das percentagens, é simples e explica praticamente tudo.
Quantas vezes vemos pessoas dedicadas de corpo e alma a alguma coisa? a alguém, a um sonho, a um trabalho? Essa atitude pode ser mensurada, diríamos: "está dedicada a isso, a 100%". Eu sei, parece uma daquelas frases que se ouvem nas conferências de imprensa ou nas entrevistas dos profissionais da bola. Mas a realidade é que toda a gente age dessa forma, tanto se foca por inteiro, como o faz parcialmente em praticamente tudo na sua vida.
No trabalho há poucos que se dediquem a 100%, nas amizades também, num mestrado, num desporto e até na família, mas há. Há quem vive estas coisas em plenitude e na generalidade vêm-se obrigadas a não o fazer em todas as outras. É Normal, o tempo, o corpo, a cabeça, não dão para tudo, daí o estabelecermos prioridades. O que fazemos é atribuir uma percentagem de dedicação a cada coisa. Umas são mais exigentes, outras menos.
Há evidentemente algumas realidades em que teremos que nos focar a 100%, pelo menos não consigo pensar de outra forma. Uma relação de amor e uma paternidade, não deixam espaço a descontos, aqui não há saldos nem promoções. Um Pai ou uma Mãe devem sê-lo a 100%, um esposo, uma esposa, um namorado ou uma namorada também.
Se no caso da relação entre pais e filhos, apenas os pais devem ter essa responsabilidade, já no segundo caso, é uma premissa sem a qual não é possível viver uma relação plena e verdadeira. E ambos têm esse peso sobre os ombros, ambos devem carregar a máxima carga possível que cada um pode levar, não se pode aliviar o peso, se o outro leva tudo o que pode.
Quando conhecerem alguém, pensem qual a percentagem que estão dispostos a dar para a relação, se for 100%, perguntem, se a resposta for 99% ou 1%, tanto faz, não vai funcionar, pode ser uma amizade colorida, uma paixoneta, um caso, não vai passar disso.
No Amor não há saldos.

28/02/11

Prioridades

As duas melhores características que alguém pode ter para se sentir feliz no maior número possível de dias ao longo da sua vida, são o egoísmo e a ignorância.
Não estou a dizer isto de uma forma pejorativa. Quem não o é, ou é em menor dose, discordará disto, até eu, admito, custa-me aceitar uma coisa destas, mas é a mais pura das verdades.
Como se diz, "não se pode explicar a um ignorante que ele é ignorante", e como neste pensamento, há muitos outros semelhantes, como o bíblico, "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus".
Quantas vezes pensamos o felizes que as crianças são, os adolescentes menos um bocadito, e por aí fora... quem se lembra de ver um velhinho a rir?
A sabedoria, na qual está incluída a noção de um mundo para além do nosso umbigo, a preocupação com o próximo, que se aprende sobretudo pelas nossas experiências pois só assim pode ser sentida ou percebida quando nos é alheia, as cicatrizes, os obstáculos vencidos e as desilusões, se por um lado nos fazem crescer, nos fazem sentir melhores, mais completos, também nos roubam a inocência, a causa maior da felicidade.
Para contrariar este tipo de tendência, existem duas alternativas, sendo uma delas cientificamente invíável ou no mínimo insensata, que conssistiria em apagar todas as nossas memórias relativas a acontecimentos que nos fizeram crescer e aprender, normalmente designados por ERROS! Sempre podemos tentar bater com a cabeça na parede e ficar amnésicos, mas teria que ser uma amnésia selectiva, há muita coisa que não interessa mesmo esquecer. Imaginem-se a ter que tirar novamente o curso superior, ou a carta de condução, etc.
Não me parecendo que as paredes tenham culpa, e para não gastar dinheiro em pinturas ou hospitais, a alternativa a reduzir "o saber", é aumentar "o egoísmo".
É mau? claro que é, vai contra os nossos princípios, valores, essência. No entanto pode-se fazer sem colidir com o nosso próprio ego, basta para isso estabelecer prioridades: o que é importante? com quem? com o quê e quando nos devemos de facto preocupar quando outra pessoa se queixa, pede, cobra, exige? Basta distinguir o que é realmente importante do que é acessório, o que é necessidade do que é capricho, o que é dor do que é fita, e garantidamente seremos tão bons como antes, sem que o lugar no avião para o tal sítio a que chamam paraíso, nirvana, éden, etc, deixe de estar garantido. Neste caso, não interessa se o lugar é em primeira ou classe turística, o que interessa é lá chegar, porque o caminho até ao aeroporto dura uma vida, a viagem posterior demorará um piscar de olhos, certamente.

25/02/11

Agora sim vamos bem

Dos meus tempos de universidade, há um momento que não me esquecerei. Estava eu parado a fumar o meu camel enquanto esperava o autocarro, quando reparo que no outro lado da rua, um velho dos seus 70 anos, carregado até mais não com sacos e tralhas e mais tralhas, que coitado, o homem lá ia arrastando aquilo à medida que se aproximava da gare para poder meter tudo na bagageira de algum autocarro, que presumo eu o levaria de volta à sua aldeia. Quando pôs o pé na estrada para atravessar, cambaleou, retorceu-se e caiu com todo o estrondo, junto com a parafernália de coisas que trazia em cima.
Estavam várias pessoas a passar junto, pensei, " alguém lhe vai deitar a mão". Nada, um, dois, três, quatro, passavam, olhavam com aquele ar de, "está com os copos", "está drogado", "não quero saber, está sujo", mas seguiam a sua vida. Depois de perceber que ninguém por perto fazia nada, lá fui eu a correr, quase a ser atropelado, mas lá fui ajudar o homem a  levantar-se, perguntar se estava bem e ajuda-lo a carregar os tarecos e os sacos até ao autocarro.
Isto passou-se numa cidade pequena, em Trás-os-Montes, onde as pessoas se dizem tão afáveis e humanas, porque em Lisboa, ou no Porto já assisti a cenários igualmente escalofriantes.
Será que ninguém pensou sequer que o homem podia não estar bêbado? ou drogado? Estaria eu doido?
Agora entendo que aquilo eram os primeiros sinais do caminho que a maioria está a tomar. Agora percebo que cada vez mais, se confunde a insensibilidade e o egoísmo com força. Agora passa-se por uma situação dessas e diz-se "eu sou imune a essas coisas, é duro, é triste, mas consigo não ligar e seguir a minha vida". Agora um insensível é um tipo forte, porque aguenta a dor alheia e não reage. Agora sim.. vamos mesmo bem. 

Pacote de bolachas

Tenho duas irmãs, duas grandes mulheres, diga-se. Além de nos dar-mos muito bem, somos irmãos, pelo que nem vale a pena dizer mais nada quanto à nossa relação.
Isto não foi sempre assim, as nossas diferenças de idades são pequenas, pouco mais de 1 ano entre cada, o que foi uma vantagem quando crianças, sempre havia coisas para fazer juntos, embora na parte das bonecas eu preferisse ir para o meu quarto com os legos.
A fase negra foi a do "armário", e como as mulheres entram mais cedo, os meus mais de 2 anos de diferença para a caçula deixaram de se notar. Resultado, guerra!
Foram inúmeras as batalhas sem sentido em que no fim todos perdíamos. Uma delas, e que acho particularmente piada, mesmo porque ainda hoje consiga ver coisas semelhantes entre gente que já deveria ser suficientemente madura, era a do pacote de bolachas.
Durante meses, com a gulodice, lá ia à despensa para comer umas bolachitas e deparava-me com 3 ou 4 pacotes, surpresa das surpresas, todos eles tinham apenas uma bolacha e como quando a fome aperta, percebia a estratégia, mas lá ia a bolachita. Depois era um ver se te havias com a minha mãe a ralhar por conseguir-mos aviar as doçuras num pestanejar de olhos, e claro, as espertas das minhas irmãs diziam: "Foi  o Bruno que acabou os pacotes todos!!"... nem vale a pena falar na vontade que tinha de as matar, mas que remédio, lá ouvia e por muito que tentasse explicar era comigo que a minha mãe mais embirrava.
Até que um dia caiu sobre nós a justiça salomónica, acabaram as guerras das bolachas, pura e simplesmente deixaram de fazer parte da despensa, a minha mãe não esteve de modas e levamos os 3 pela mesma medida.
Agora que penso, eu nem estranhei muito, afinal o que tinha que ouvir por causa de uma mísera amostra até compensava a sua falta, já elas, obviamente, devem ter sofrido bem mais com a ansiedade que a falta de açúcar provoca, tamanha era a gula.
Hoje há pessoas que definitivamente não passaram por este tipo de situações ou que não aprenderam ainda, que no fim, por muito que tenham a barriga cheia e por muita fome que tenham feito passar, quem mais perde acaba por ser quem mais comia, quem sempre andou esfomeado não vai notar a diferença e ainda por cima ainda tem a vantagem de não aturar ninguém a moer-lhe o juízo, nem a sentir-se injustiçado.

24/02/11

E ainda me queixo.

Só recentemente tive a feliz ideia de tentar saber quem era o meu avô materno. Faleceu quando eu devia ter apenas alguns meses, nunca o conheci, apenas de fotos e ouvir uma história ou outra da minha mãe.
- Mãe, como era o avô? como era como pessoa?
E então começou a contar-me, o homem, o pai que ele era, trabalhador, esforçado, duro, frio... eram outros tempos, o pão tinha que se desbravar todos os dias da terra, não havia muito tempo para pensar, o esforço físico não deixava muita margem à cabecinha para se perder. Outros tempos...
Depois disto fiquei surpreso, sem perguntar, ouvi uma confissão sobre a minha avó. O homem da vida dela não era o meu avô, se o ciclo natural das coisas, se o amor tivesse levado a sua avante, eu não "era". A paixão dela tinha emigrado para o Brasil, teria ela os seus 18 ou 19 anos, tentou, berrou, gritou, mas os meus bisavôs impediram-a, e acabou por casar com um homem com terras, poucas, mas que davam para sustentar uma família, e 15 anos mais velho. Cumpriu o seu papel, teve 3 filhas e um filho, trabalhou, educou de forma muitas vezes dura, mas viveu toda a vida, e ainda vive possivelmente com a imagem daquele amor de tenra idade que abalou para terras de Vera Cruz.
Quem diria, eu, que sou um romântico, que acredito que o Amor está acima de tudo, que leva sempre a melhor, sobre tudo e todos, devo a minha existência, precisamente ao seu fracasso. E ainda me queixo.